Por promessa, fiel leva santa a rodeios há mais de 30 anos
Pedido era pela saúde da mãe; Pedro da Santa viaja sem saber onde dormirá
Desde 1980 a rotina se repete todas
as semanas. Ele pega sua bolsa, enche ela de terços e
fitinhas de Nossa Senhora Aparecida, coloca algumas pequenas imagens dela em
meio às poucas trocas de roupas que possui e sai de casa sem dinheiro no bolso.
Parte então para lugares conhecidos, sem saber como se alimentará nem onde
dormirá
Esse cotidiano é vivido por Pedro Arneiro, 56, o Pedro da
Santa, que viaja ao menos para 40 festas de peão todos os anos como forma de
pagar uma promessa feita aos 18 anos para que sua mãe, Maria Aparecida, se
curasse de uma enfermidade. Jurou que, se ela conseguisse escapar de ter uma
perna amputada devido ao diabetes, que estava em estado crítico, passaria a
percorrer todos os rodeios do país com uma imagem de Nossa Senhora —a mãe era
fiel— para abençoar os peões antes de suas montarias. A mãe se curou e disse
que o filho não precisava fazer o sacrifício de viver viajando, mas ele manteve
o compromisso. Maria Aparecida morreu já há 11 anos, mas a promessa não cessou.
Pedro persistirá até o fim da vida, segundo ele, uma espécie de missionário das
arenas que está em quatro locais diferentes do país todos os meses. A Folha
acompanhou os passos de Pedro por dois dias na Festa do Peão de Boiadeiro de
Barretos (a 423 km de São Paulo), que sempre frequentou desde a década de 1980.
A temperatura esfriou no dia 24, primeiro dos dois dias, e, questionado sobre
onde passaria a noite —chuvosa e com alertas da Defesa Civil para raios e
ventos—, disse que dormiria no chão de um cômodo formado por divisórias de
madeira atrás dos bretes do estádio, como tinha feito desde o início da festa,
dia 16. Colchão? "Não, mas tem uns papelões que encontrei e vai dar tudo
certo. Estou acostumado", disse. Horas antes, ele foi uma das estrelas da
abertura das montarias, ao levar a imagem para ser tocada pelos peões que
participariam das montarias do Barretos International Rodeo, que deu ao campeão
como prêmio uma camionete de R$ 250 mil. O mesmo roteiro já se repetiu em
Jaguariúna, Americana, Limeira, Fernandópolis e Jales (em SP), Divinópolis,
Guaxupé (MG) e Maringá (PR). Mas nem mesmo rodeios menos famosos ficam fora da
bênção de Pedro. Ele usa uma imagem já em mau estado de conservação de 2005,
que fez parte da novela América (Globo). Ela retratava a vida de Tião Higino,
um peão de rodeio, e teve cenas gravadas em Barretos. Os zíperes da bolsa de
couro utilizada há mais de 20 anos já não fecham, e o desgaste do material é
evidente. Mesmo assim, coloca-a num dos ombros e sai pelos rodeios entregando
fitinhas ou terços. "Faz 22 anos que encontro o Pedro aqui em Barretos.
Ele me deu uma imagem uma vez que levei e um menino de cinco anos que estava
com câncer linfático se curou. O que cura é a nossa fé em Nossa Senhora",
disse o paulistano José Zambini Filho, um dos agraciados com os mimos do
missionário. Outro, o educador físico Ronaldo Reis, de Jundiaí, afirmou que se
acostumou em encontrar Pedro em Barretos. Ganhou uma fitinha e um terço.
"A fé que ele tem é algo incrível." Pedro já foi a pelo menos 1.300
rodeios desde a promessa e distribuiu mais de 2,5 milhões de fitinhas compradas
em Aparecida (SP), onde nasceu e mora —nos poucos dias do ano em que não está
em festas de peão. "Aqui [Barretos], ganhei até uma ajudinha de custo, mas
é um dinheiro que só dá para pagar as fitinhas e presentes que compro para entregar
às pessoas. Estou devendo em Aparecida o que trouxe para cá", disse.
Da mesma forma, não sabe como será —e se terá— sua
próxima refeição. Ganhou durante a semana passada um tíquete para jantar num
rancho do Parque do Peão, mas ficou com vergonha das pessoas que estariam no
local e o deu a um jovem que encontrou no recinto do festival sertanejo.
"Vi que ele precisava, tem gente que precisa mais do que eu. Não vou
deixar alguém passar fome", afirmou. Já visitou em hospitais peões feridos
em provas e diz lamentar muito quando um se machuca. Também já participou de
eventos como o Criança Esperança, da TV Globo, sempre com a imagem. Pedro não
tem uma profissão nem renda mensal. Avalia ser difícil ter, a essa altura da
vida, um emprego convencional. "Não sei mais fazer outra coisa, desde cedo
vivo para isso. Vou fazer isso até morrer." Caronas ou dinheiro recebidos
de quem o reconhece são o que o levam para as provas de montarias em touros
pelo país, onde chega a distribuir até 2.000 fitinhas e mais 1.000 terços. Cada
rodeio custa R$ 200 ao bolso. Em Barretos, os peões que disputaram a
finalíssima do Barretos International Rodeo, no último dia 26, não puderam
contar com as bênçãos da imagem de Pedro da Santa, que estava na cidade desde a
semana anterior. Sem dinheiro para voltar para casa, ele conseguiu uma carona
que sairia às 9h do dia da decisão. "Mas já consegui dar meu recado",
declara. "É assim que vivo."
Fonte:
Marcelo Toledo/ Folha de São Paulo