Agro dos EUA ataca Trump e diz que Brasil será vencedor de guerra comercial
Os produtores
de soja dos EUA criticam o presidente Donald Trump e alertam que, diante de uma
guerra comercial com a China e outros parceiros, o Brasil será o vencedor das
políticas protecionistas da Casa Branca. A pressão sobre Washington ocorre num
momento em que o governo brasileiro também lança um primeiro esforço para
negociar uma saída diplomática e evitar que também seja alvo de tarifas por
parte de Trump.
Hoje, o
vice-presidente Geraldo Alckmin terá uma reunião virtual com o secretário de
Comércio dos EUA, Howard Lutnick.
O encontro
ocorre depois de Trump ter citado nominalmente o Brasil em seu discurso no
Congresso como um exemplo de um país que adota tarifas "injustas” contra
produtos americanos.
A inclusão do
Brasil soou o alerta no governo sobre a possibilidade de que, em abril, tarifas
sejam impostas contra os bens exportados pelo país.
A esperança
brasileira é de abrir um canal de diálogo e buscar uma solução antes que o caso
se transforme em uma guerra comercial. Um dos argumentos do governo Lula é de
que os americanos acumularam um superávit comercial de US$ 200 bilhões nos
últimos dez anos no fluxo com o Brasil. O governo também vai insistir no fato
de que, em média, aplica uma tarifa de 2,7% aos bens americanos e que, entre os
principais itens da pauta, vários produtos vendidos pelos EUA entram no mercado
nacional isentos de tarifa.
Mas Washington
deve usar o fato de o Brasil cobrar uma tarifa de 18% sobre o etanol para
justificar um gesto protecionista.
Agro alerta
Trump que Brasil será grande vencedor de guerra comercial
Enquanto os
americanos buscam um diálogo com o Brasil, a Casa Branca passou a ser
pressionada pelo setor agrícola, justamente por conta da concorrência
brasileira na China.
As tarifas de
25% impostas por Trump sobre os produtos do México e do Canadá entraram em
vigor logo após a meia-noite, na madrugada de 4 de março. O Canadá respondeu
rapidamente com planos de impor tarifas de 25% sobre quase US$ 100 bilhões de
importações dos EUA, e o México disse que também retaliaria em breve.
Os EUA acrescentaram uma tarifa adicional de 10% sobre as importações chinesas, aprofundando o imposto de exportação de 10% imposto à China há um mês e as tarifas existentes sobre os produtos do país.
A resposta de
Pequim foi rápida: tarifas retaliatórias de 10% sobre a soja dos EUA e ações
adicionais que limitam o acesso ao mercado.
Se os
americanos contam com um déficit comercial com a China, um dos poucos segmentos
com superávit favorável aos EUA é o setor agrícola. Agora, o temor dos
fazendeiros dos EUA é de que suas vendas para a China sejam substituídas pelos
produtos brasileiros.
Nos últimos
meses, o lobby do setor foi intenso, tentando evitar que a Casa Branca abrisse
uma guerra comercial com os chineses. O mal-estar se aprofundou depois que, em
seu discurso ao Congresso americano na terça-feira, Trump sugeriu aos
fazendeiros dos EUA que vendessem para o mercado nacional, diante das tarifas
que enfrentarão pelo mundo.
A receita de
Trump foi ridicularizada pelos exportadores, que alertaram que não existe
mercado doméstico suficiente para absorver o que perderão no comércio internacional.
"Há anos,
os agricultores têm mantido consistentemente sua posição de que não apoiam o
uso de tarifas, que ameaçam mercados importantes e aumentam os custos de
insumos para os agricultores, como tática de negociação", afirmou a
poderosa Associação Americana de Soja.
"A
natureza interconectada das cadeias de suprimentos agrícolas significa que as
tarifas têm impactos negativos imediatos e, em muitos casos, duradouros em suas
fazendas e na economia rural do país", alertou.
Diante da
situação, a entidade os produtores de soja estão pedindo que o governo
"reconsidere as tarifas e as possíveis tarifas futuras às quais o
presidente Trump fez alusão, e que continue as negociações com os três países
que incluem soluções não tarifárias".
Produtores
"frustrados" com Trump
"Os
agricultores estão frustrados", admitiu Caleb Ragland, presidente da
Associação e produtor de soja da região de Magnolia, no estado do Kentucky.
"As tarifas não são algo para se divertir. Elas não apenas atingem nossas
empresas familiares em cheio, mas também abalam um princípio fundamental sobre
o qual nossas relações comerciais são construídas, que é a
confiabilidade", disse.
Ragland explicou a dimensão do que uma guerra comercial representa para seu setor. "Como a produção agrícola de maior exportação dos EUA, a soja enfrenta impactos enormes e desproporcionais das interrupções do fluxo comercial, especialmente para a China, que é nosso maior mercado", disse.
"E sabemos
que os produtores estrangeiros de soja no Brasil e em outros países esperam
colheitas abundantes este ano e estão preparados para atender a qualquer
demanda decorrente de uma nova guerra comercial entre os EUA e a China",
alertou.
Para o
presidente da entidade, o Brasil será o "grande vencedor", ocupando o
espaço que hoje é da soja americana.
Só em 2024, a
China importou quase 69 milhões de toneladas de soja do Brasil e pagou US$ 30
bilhões por isso. Em novembro, durante a visita oficial de Xi Jinping ao país,
6 dos 37 acordos firmados entre Brasil e China estavam diretamente ligados ao
Ministério da Agricultura e Pecuária para uma maior abertura do mercado chinês
para diversos produtos nacionais. O potencial comercial pode chegar a US$ 500
milhões por ano em setores inclusive dominados pelos produtos americanos.
Agora, diante
de uma guerra comercial, o Brasil poderia ver um aumento de exportação de até
8,9 milhões de toneladas por ano de milho e soja.
Durante o
primeiro governo Trump, o Departamento de Agricultura dos EUA indicou que as
vendas americanas para o mercado chinês desabaram em US$ 27 bilhões. Depois de
o republicano aumentar tarifas para bens chineses, Pequim retaliou, também
elevando tarifas para os produtos dos EUA.
Quase uma
década depois, os agricultores americanos alertam que a China se preparou para
um eventual cenário de uma volta de Trump ao poder. Além de amplos
investimentos domésticos, Pequim também vem fortalecendo sua relação comercial
com o Brasil.
Em 2023, as
exportações agrícolas do Brasil para a China atingiram um recorde de US$ 60,24
bilhões, representando 36,2% do comércio agrícola total do país.
Segundo o
presidente da entidade, os produtores de soja dos EUA ainda não recuperaram
totalmente os volumes de vendas depois da guerra comercial de 2018.
"Agora, essa nova situação agravará ainda mais as dificuldades econômicas
de nossos produtores", disse.
Os dados dos
produtores indicam que no ano comercial de 2023/2024, os exportadores dos EUA
enviaram 46,1 milhões de toneladas de soja para mercados estrangeiros,
representando quase US$ 24 bilhões em vendas. Durante a guerra comercial com a
China em 2018, a agricultura dos EUA sofreu perdas de mais de US$ 27 bilhões,
sendo que a soja foi responsável por 71% dessas perdas.
"Os
produtores de soja continuam lutando contra os impactos de longo prazo sobre a
reputação, pois os mercados que eles trabalharam durante anos para construir -
mais de 40 anos para a China - são baseados na capacidade de fornecer uma safra
confiável e de qualidade", insistiu.
Ao contrário de
2018, os agricultores estão em uma situação financeira mais frágil em 2025.
"Os preços das commodities caíram quase 50% em relação a três anos
atrás", disse.
"Além
disso, eles estão operando suas fazendas em uma época em que os custos da terra
e dos insumos, como sementes, pesticidas e fertilizantes, são altos, o que
significa margens muito menores e menos economias para serem utilizadas quando
as tarifas fizerem com que as circunstâncias piorem", alertou.
A constatação
das perdas ocorre depois de Trump ter vencido de maneira avassaladora o voto no
setor rural americano, marcado pelo conservadorismo. Nos 444 condados dos EUA
que dependem mais de 25% da economia no campo, o republicano somou em média 77%
dos votos. Ele só não venceu em onze das 444 regiões. Em 100 desses condados,
Trump teve mais de 80% dos votos.
Prejuízos no
Canadá e México
Ragland também
se mostra preocupado com o impacto da retaliação do México e do Canadá.
"Representamos quase meio milhão de agricultores nos Estados Unidos que
cultivam soja, e esses agricultores dependem do comércio bilateral que entra e
sai do México e do Canadá", disse.
"Esses
dois mercados não são apenas vitais para a exportação de soja, farelo e óleo de
soja, mas também dependemos deles para obter fertilizantes e outros produtos
necessários para produzir nossas safras com sucesso", disse.
Ele destaca que
cerca de 87% do potássio que os produtores de soja usam nos EUA é importado do
Canadá.
Desde que o
Acordo de Livre Comércio da América do Norte, NAFTA, foi ratificado em 1993, o
México e o Canadá se tornaram os principais parceiros comerciais dos EUA no
setor da soja.
Hoje, o México
é o segundo maior cliente de soja, farelo de soja e óleo de soja. Já o Canadá é
o quarto maior cliente da soja americana para o farelo. De outro lado, os EUA
importam a maior parte de seu potássio do Canadá, juntamente com outros insumos
agrícolas e equipamentos.
Fonte: Jamil Chade / UOL